terça-feira, 11 de novembro de 2008

fé verbo intransitivo

Os grandes olhos azuis de Plácido estavam intranquilos naquela noite clara de domingo. Ele não possuía os mares não-pacíficos de Maysa. Talvez porque o desventurado não tenha tido um Manuel Bandeira como um admirador. Mas eles merecem a comparação.

Plácido estava com suas estruturas abaladas. Não podia crer em nada. O que aconteceria após a morte? Os bons vão para o céu e os maus para o inferno, como foi ensinado num catecismo tiquetaqueante... mas o que era a bondade ou a maldade? Muitas vezes, pegava-se questionando essas certezas absolutas em prol de imaginar se a ocasião, em qualquer caso, faria o ladrão.

Lembrou-se da definição bíblica de que a fé é o firme fundamento daquilo que não se vê. às vezes, em seus sonhos, Plácido se via fugindo, escapando de um inimigo invisível, sem sexo definido, não sabia se humano ou monstro, enquanto o chão azulejado desfazia-se sob seus pés rumo ao um infinito. A palavra infinito dá uma conotação de céu, de altura, mas este infinito seguia para a terra, para o Hades... Ou será que Plácido estava de cabeça pra baixo, como, aliás, se encontrava o seu mundo?

Plácido se lembrou da definição de fe e concluiu que, tal qual o amor, a fé é um verbo intransitivo. Seu complemento acaba-se em si mesmo. E deve ser assim. Se a fé exigesse qualquer objeto para se completar, seja direto ou indireto, trairia a sua essência. Deixaria de ser fé. Para ser o quê?

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