segunda-feira, 28 de abril de 2008

Silêncio e luto

Assim como as velhas carpideiras, os silenciosos são mal quistos no mundo moderno. O que é uma pena... neste mundo onde milhões de vozes se interpenetram, muitas vezes é preciso um grande esforço para escutar o silêncio.

É na quietude que brota a voz da nossa alma. Uma vez verdadeira. Clara como cristal. Que diz exatamente o é. Essa voz não conhece o verbo parecer. Essa voz, não sabe o que é o sentir. Ela simplesmente é. E, por ser, cria um tsunami interno, uma força que nos leva além dos limites. Ilimita-se em nossa própria plenitude.

Por isso, assim como o luto é necessário para que a força renasça da morte, o silência precioso precisa instaurar-se. Será que, neste mundo barulhento em que vivemos, o ser humano teme ouvir a tua própria voz?

terça-feira, 22 de abril de 2008

O pesadelo de Cassandra

Os mitos estão lá. Todos. Aglutinam-se. Entrelaçam-se. Caim e Abel são inquiridos por um anjo malvado que, tal como a Abraão, pede um sacrifício de sangue para provar sua lealdade a Deus. O porém é que este anjo, tal como Janos, possui duas faces. E não revela a sua misericórdia e o amor de uma dimensão paralela, deixando-se perder a esperança de uma geração, de um povo.

Falo, em metáforas, do "Sonho de Cassandra", último lançamento do excelente diretor norte-americano Woody Allen, onde ele trata, mais uma vez, dos limites da ambição humana.

O enredo é simples: dois irmãos, de classe média baixa, enforcados até o pescoço em dívidas e ambição, aceitam a empreitada de um tio sempre generoso, que encomenda a morte de um executivo que pode colocá-lo na cadeia. Depois de muito hesitar, os dois irmãos executam o que pensam ser o crime perfeito.

É a partir daí que se inicia um jogo de espelhos que se torna muito, mas muito perigoso. O nosso Caim contemporâneo não traz as boas primícias aos pés do Senhor: ele as dissimula, em nome de uma ambição, de um futuro glamuroso, de um sonho que, finalmente, irá se concretizar. O que passou, passou, o importante é o agora. Pressionado pela ditadura da juventude, da pressão pelas histórias fantásticas e precoces de ambiciosos executivos que ajuntaram grandes fortunas ou de grandes topmodels que se consideram velhas já, aos 23 anos, esse Caim julga que já está no limite para seguir a sua própria jornada e ser feliz.

Mal ele contava que ficaria preso a uma honestidade intelectual, quase infantil, de um Abel, que ainda deposita o melhor do melhor de sua hortinha aos pés do Deus-Todo Poderoso. Um arremedo de loucura, corroborado pela culpa, pela bebida exarcebada e pelo aumento do consumo de remédios parece tomar conta desta própria criatura, que se predispõe a fazer justiça a qualquer preço e a diminuir o peso de sua consciência.

Sim, meus senhores, o circo de Woody Allen está mais uma vez armado. Tal como o Diabo de Goethe, que cobra caro - e com juros - os desejos oferecidos a seu jovem pupilo, a vida moderna vem cobrar uma posição dura de nossos títeres. O Caim clássico mata a Abel e se mata, ao atrair para si a ira divina. A nossa versão contemporânea dos irmãos Karamazóv não tem a mesma fortuna... eles não merecerão perdeu. Deixarão as infelizes Penélopes a esperar, tricotando inutelmente as suas mantas... Já que isso é uma mistura de arquétipos, deixo a liberdade fluir para lhes dar este final, trágico deslance. Tudo nos sonhos de Cassandra são confusão, coerentes e coesas ao mesmo tempo.

domingo, 13 de abril de 2008

Assombro

O azul do céu poente me assombra. Vejo, por meio dele, permeando, a amplidão...

Será a morte tal como esse azul que, por um pequeno lapso de tempo, não se decide entre a alegria matutina e a escuridão madrugal. É um azul limpo, sem estrelas, com nuvens invisíveis, espreitando, esperando o seu momento de liquifação... esperando a autorização para liberar as lagrimas. Como queria que a Clara Luz realmente existisse e, de vez em quando, colorisse as pequenas gotas, transformando um belo fim de tarde de domingo em esplendoroso carnaval.

É a minha alma que vai nesse azul. Sinto que ele me invade. Me transmite a paz necessária para uma semana que, já começou com o sentimento do dever cumprido.

As revoluções do Cotidiano

Em um documetário sobre a Tropicália e, mais especificamente, sobre o papel de Gal Costa no movimento, Tom Zé, teria dito que a censura não estava tão preocupada com as posições de direita ou esquerda dos artistas. Não consigo reproduzir bem as suas falas, mas só me lembro de que ele teria dito que, "o que incomodava o censor era que, na letra da Tropicália, chamava-se a atenção para a Margarina... a ditadura não sabia lutar contra a margarina, por isso se incomodava."

Tom Zé, antes de tudo, se porventura você ler isto, me perdoe pelas incorreções. O importante é a idéia principal. A tua geração lutou contra os modismos, contra as formas, contra o pré-estabelecido. E invocar o cotidiano, o amor plebeu, foi uma arma - e muito inteligente, por sinal - de marcar território.

Em recente documentário sobre a obra de Nara Leão, a rede Globo resgatou uma fala da cantora, que assumia publicamente a dificuldade de se cantar a obra de Roberto Carlos. "Ele falava sobre uma rotina muito íntima, que é muito difícil para mim, diante da minha timidez".

Dificil para qualquer um. A busca da completa desglamurarização do cotidiano é uma tarefa hercúlea. Espere! Para que isso? Por que é tão difícil, tão imenso, descrever um simples café-da-manha com pão e manteiga, e tornar isso arte!

Roberto Carlos, Chico Buarque, Dominguinhos conseguiram essa proeza. Buscaram no passo atrás do outro... na xicara de cafe suja... nos lençóis suadas... nos hálitos pré-primeira higiene bucal o suave perfume de uma inspiração. A transformação do esterco em rosa é o principal desafio de todo o artista. Por vezes, a matéria-prima não agrada. Mas o resultado é primoroso!

terça-feira, 8 de abril de 2008

sonho impossível

Sonhei que eu era a Carolina Dieckmann, grávida, querendo dar a luz, e não conseguindo

Justa carreira...

Ele corria... corria para o infinito... para o abismo de uma solidão insondável... não sabia qual era o prêmio se chegasse em primeiro... ah, se tivesse esperança de que houvesse algum prêmio! às vezes, ele gostaria de saber se haveria vida após a morte. Mas seria uma informação relevante? E, se por acaso, descobrisse que, após a morte, uma morte em vida - tal como essa - o esperasse. Momentos eternos de solidão seriam a tua eterna companheira, como um castigo - não um prêmio - por querer saber além de sua competência de humano.

Muitas vezes, ele agia como o Dick Vigarista, da Corrida Maluca. Como o ligeirinho, o Papa Léguas, ou a Lebre. Confiava demais em sua aparente velocidade, em estar sempre na vanguarda de tudo, em saber de tudo na frente dos outros para vir ensinar à posteriodade. Esquecia-se que a verdadeira sabedoria estava com a lebre ou com a lesma que, ao respeitar a tua própria velocidade, respeitavam-se, em tua essência.

Às vezes, se surpreendia pensando nesses atletas que diariamente quebram recordes. Sucessivamente. Ele, que era tão normal, se subjugava. Comparava-se a um malvado genérico que via no espelho, com uma barriga fora de lugar e sem aquela aprovação pelos cânones da beleza universal.

Pra quê tudo isso? Por que te abates, su´alma? Esqueceste, por um acaso, que vieste do pó e ao pó voltarias, ainda com desconto por espalhar a sua alma pela terra? Eram vozes e vozes tentando consolar uma vida inconsolável. Ao constatar, tristemente, de que ele poderia tudo nessa breve vita. Tudo, exceto deixar de ser Ele mesmo... quem sabe, perguntava-se, o segredo da felicidade se encontraria numa certa alienação desta pobre condição humana. Eis o prêmio dos justos. Da premiação de uma justa carreira. O simples e inequívoco fato de viver como eles mesmos.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Aforismos sem juízo

Gosto deste subtítulo da coluna do Daniel Piza... tomo-o emprestado hoje à noite. Espero que não me processem por direitos autorais

- Paul McCartney continua tão bom na carreira solo quanto na época dos Beatles. Parece que a sua genuinidade nunca o abandonou

- George Bush filho conseguiu revolucionar um costume dos norte-americanos. Derrubou por terra toda aquela reverência à figura do presidente. Pensava nisso quando via um chamado, no Canal Sony, de uma série ridicularizando o presidente... o que para nós é um saudável esporte nacional, para os Estados Unidos representava uma aura quase santa.

Me lembro há uns 3 anos que a Warner tentou emplacar uma série que mostrava dois irmãos que iriam ser futuros presidentes dos Estados Unidos em 2050, quando, potencialmente, a China assumiria a liderança mundial. O tratamento à figura da formação do presidente era bem diferente, dramática até. Pena que esta série não pegou. Ficou apenas 1 ano. Será que o Bush-Filho-Bart-Simpson permanece no ar?

- Maria Bethania continua uma diva... seu show com Omara Portuondo foi um primor, não obstante ela exagerar na reverância à sua hóspede e manter uma certa distância da vida real. O palco para ela parece uma brincadeira... lugar de exorcismo de seus fantasmas, mas um exorcismo light, dramatizado. Diferentemente de Nana, ela não carrega tudo para o palco. Não lhe interessa. Mesmo assim, não deixa de ser deslumbrante.

- o padrão globo de dramaturgia precisa de renovação. E urgente. Não consigo indicar um programa instigante. Mesmo "Queridos Amigos", que parecia ser mais tocante, no bom sentido, se desvirtuou para o pieguismo. Uma pena. Excelente trilha sonora desperdiçada!

terça-feira, 1 de abril de 2008

Coisas sem importância

Um amigo me perguntou porque não coloco fotos neste blog. Respondo que a palavra me comove. O verbo sempre me instigou. Quando criança, quanto mais páginas, quanto mais letras, quanto mais miúdas eram, maior era a minha curiosidade. Queria devastar a floresta de palavras que me circularam. Os fãs de Ziraldo que me perdoem, mas achava O Menino Maluquinho um engodo... "Onde estão as palavras?", dizia eu na sabedoria dos meus 7 anos

Entrei na escola já alfabetizado. Letras me eram familiares. Palavras eram como pequenos irmãozinhos, que eu ia descobrindo diariamente... eu era apaixonado pelo novo, pela curiosidade. Cada instante era uma nova descoberta. Como diria Clarice, o instante-já me encantava. Queria pegar o instante-já... uma pena que ele, como sabão derretido, escape sempre por entre os dedos.

Por isso são as palavras ao vento. Mesmo sem saber que Cassia Eller havia gravado música com este verso, acho que ele descreve perfeitamente este blog. Um esforço em vão de captar o instante-já em gráfico. Tal como uma fotografia... sim, explica-se o porque do não-uso de fotografias neste blog. Os fotógrafos captam o instante-já nas telas. Eu, como Clarice e outros escritores - pobres tolos e pretensiosos que somos - sonhamos em captar o instante-já em palavras, numa tentativa mais inútil de escrever à velocidade da luz. Sim, os sons vêm sempre depois, mas são tão eternos quanto uma fotografia. Não, não preciso de imagens neste blog. Meu amigo anônimo e leitor fiel, obrigado pela dica, mas fotos nesses blog seriam redundantes.