terça-feira, 29 de julho de 2008

Portuñol Salvaje

São Paulo está recebendo uma comitiva extremamente importante de intelectuais e pensadores do movimento Portuñol Salvaje. Em termos muito rápidos e muitos simples, são amantes da literatura, da poesia e das artes da região que se reuniram para apoiar e formentar uma literatura completamente inclusiva, baseada, sobretudo nas três línguas oficiais do Mercosul: português, espanhol e guarani.

Segundo um de seus principais representantes, Douglas Diegues, o Portuñol Salvaje busca elencar os elementos simbólicos, orais e escritos das três línguas, na busca de um amálgama que possa refletir a união dos povos. Isso, claro, sem desmerecer a valiosa contribuição de todos os erros e acertos advindos das línguas de outros povos - como chineses, japoneses, coreanos e árabes - que vieram tentar a sorte em terras sud-americanas, por aqui ficaram, e trouxeram em suas malas muito mais que esperança. Trouxeram um caldo cultural extremamente forte.

O Portuñol Salvaje me levou a refletir quais seriam realmente as motivações que levam e que deveriam levar à integração dos povos. Os que lêem pelas cartilhas marxistas argumentam que a infra-estrutura - as variáveis econômicas e ligadas à sobrevivência - determinam os movimentos históricos e até mesmo o posicionamento das super-estruturas, todos os autras variáveis que vão além das necessidades básicas.

O que seria, vendo de outra ótica, se o não-básico determinasse a integração entre os homens? Haveria tanta dominação, a subordinação dos mais fracos ao comando dos mais fortes ou maiores imperaria? Se houvesse uma integração lingüística, cultural primeiro, haveria necessidade de se impor um ou mais que uma língua oficial?

O Portuñol Salvaje prescinde de gramátikas. Não ker impor regras. Aceitará todas as contribuições que vierem. Abarcará todos os modismos. Virá, como uma onda impetuosa de um rio voluptuoso, carregando a terra das margens das florestas. Para criar o novo, a ilha, que despontará do meio do rio e abrirá as fendas da terra para abrigar as sementes. As sementes que germinarão e acabarão dando em frutos de tolerância.

Pode ser uma utopia. Que seja. Mas é uma utopia que independe guerras para vingar.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

A mágica da feira

Feiras livres devem existir em todas as cidades do mundo, mas duvido que qualquer uma delas reúna os elementos que tornam uma compra a uma feira de São Paulo um acontecimento mágico. Depois de muitos anos, eu fui com um amigo a uma feira livre. Iria acompanhá-lo apenas, mas acabei não resistindo e comprei algumas coisinhas que precisava para casa.

Pra começar, aquela enorme recepção com o pastel da família japonesa a postos. Pode dizer o que for: que faz mal, que está repleto de gordura saturada, que é frito num óleo que já serviu para coisas que até Deus e o Diabo duvidam, mas o fato é que não existe algo mais saboroso, mais divino que um pastel. E se tem que enfiar o pé na jaca, que seja um feito bem especial: com carne moída, ovo cozido, queijo, presunto e azeitona.

Pronto, já existe um forte motivo para você concluir a feira. É obvio que o sabor do pastel ficará mais ressaltado depois das compras, tal como um acorde que arremata o término de uma bela sinfonia. Partamos para as barracas de frutas, legumes, verduras, onde, apesar de predominante, o verde faz uma combinação elegante e simbólica com o vermelho do tomate, o alaranjado das cenouras e cítricos e mesmo os apimentados vermelhos e os abeterrabados roxos. Depois do olfato, agraciado com o suave e forte cheiro do pastel, é o olhar que agradece o descanso oferecido pelos produtos expostos.

E os ouvidos? Ah, os ouvidos são contemplados pelos gritos, pelas formas encontradas pelos feirantes, em sua simplicidade de expressão em conquistar a dificil atenção das clientes, fazendo contas subterrâneas ou atacando verozmente suas calculadoras em busca das melhores condições. "Moça bonita não paga, mas também não leva!", "São onze horas e ainda nada", "Madame vem experimentar a fruta, abacaxi docinho, docinho", essas expressões, onomatopéias gentilmente elaboradas, por si só, já dariam uma única crônica.

Na ala das carnes, peixes, frangos e afins, um espetáculo um pouco mais sombrio. É preciso um pouco mais de paciência para suportar o forte odor que exala de salmões, frangos, fígados, bovinos e frutos do mar expostos, escancarados em suas entranhas, prontos para se mancomunar com temperos e se transformar em manjares dos deuses, por meio da ação de boas mães ou de boas empregadas que prepararão pratos amorosos e saborosos.

E, por fim, a ala das quinquilharias. Tudo para o lar, aqui nós amolamos facas, consertamos peças de fogão, fazemos qualquer negócios. E toda a feira que se preze vendem aqueles carrinhos de borracha, fusquinhas feitos de plástico simples, mas que fazem qualquer garoto viajar. Ou aqueles sucos, coloridos artificialmente, embalados em plásticos transparentes, que fazem a alegria de qualquer garotinha despreocupada em sobreviver em um mundo onde os noticiários nos dão conta de todos os perigos que nos cercam.

Enfim, um passeio pelas feiras paulistanas pode ser uma inesgotável fonte de saciedade. Para os sentidos, para a alma, para o espírito. E, também para o corpo. Afinal, como eu disse, aquele pastel especial do japonês está à nossa espera. Junto com o caldo de cana. Que dispenso. Prefiro morder a cana com meus próprios dentes.

sábado, 19 de julho de 2008

À flor da pele!

"Veja com os dedos, se as pontas alongadas e insensíveis do coração de seus olhos não conseguem enxergar!", penetrava em mim esta ordem enquanto insistia em passar este creme hidratante pelo meu corpo. A densidade da loção exigia um esforço muito maior do que as minhas mãos costumavam fazer. Não era acostumado àquele toque bruto! Precisava alisar, apertar e esfregar em sucessivas camadas, em um esforço inútil para que a beleza prometida por aquele frasco penetrasse em mim.

A sensação era um deleite! A cada esfregada, sentia o creme misturado a uma essência intangível entrava de dentro de mim. Aos poucos, vai me dominando. Começa a atingir uma camada interior, uma derme abaixo da epiderme, impenetrável como uma cebola, mas com certas fendas parecidas com um queijo suíço. Essa mistura tornava-se um patê misterioso de um crescente auto-conhecimento.

Os toques, os pêlos, a pele, seus pequenos defeitos tudo isso - eureca! - era Eu. Um Eu até agora insuspeito, implorando para ser descoberto, buscando a real certeza de um tesouro guardado nas profudezas do mar vermelho de meu interior. A mistura do branco do creme à coloração sangüínea resultava em uma textura rosácea, cristalinamente rosácea, que lembra uma adolescência debutamente virginal. Sim, era um novo recomeço. E com um aurora dessas, é impossível sentir solidão.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Frio inconstante de julho

O frio pulsilânime que ataca as tardes de julho atinge a minha alma. Congela as minhas artérias. Me impede de pensar. Tudo o que meu cansado corpo almeja é se jogar em uma cama bem quentinha, depois de expor a pele suada à exaustiva rotina de vapor e gotas d´água escorrendo sobre os cabelos, sobre os pelos, sob a epiderme desprotegida.

Livros, música, alguma bobagem dita pelas celebridades dos novos instantâneos-tempos temperam esta rotina gostosa, aconchegante, pra dentro. Como numa viagem interior, não quero falar muito. "Você está muito introspectivo?" indagam os amigos, achando estranho esta nova atitude de um ser que se preza pelo falar desenganhado.

Quero que novas vozes sejam ouvidas dentro de mim. Preciso da constância de um carinho interno, de um calor que somente um momento de recolhimento pode proporcionar. A fogueira da auto-estima clama por mais lenha, precisa ser aninhada, protegida do vento cortante das opiniões alheias, do falar apenas pelo falar, do comparar-se sem nenhum tipo de aproveitamento. O coração - este órgão às vezes pequenininho, mirradinho - quer a proteção de um super-herói, de um verdadeiro homem que possa bancar os seus pulsos, de uma mulher que tenha o cuidado de contar as suas batidas rotineiras, de uma criança que, com o leve pincelar da inocência, preencha as suas lacunas com o vermelho da vida.