sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

E vem o coração e diz;;;

Sábado de madrugada. Já passa das 4h da manhã e, se duvidar, corro o risco de ver o dia nascer. Solitário. Ao contrário da música de Cazuza.

Mas eu preciso escrever! Preciso colocar aqui aquilo que oprime meu peito, me faz respirar, prende o meu ar, me faz pensar em tantas coisas contraditórias. Me faz viver.

Acabo de voltar de um encontro com amigos. Bons amigos. Companheiros, leais, que torcem por mim, acreditam no meu potencial. Até muito mais do que eu mesmo. Mas que erro absurdo este que eu cometo de não acreditar de mim.

Antes de chegar ao local do encontro, tenho a grata surpresa de ouvir Nana Caymmi cantando "Em Teus Braços". Gosto desta interpretação que, à esmo, como uma roleta russa emocional, inclui no meu tocador de MP3 (ainda não estou na era do Ipod, acredita?). Começo a chorar no carro. Apesar de sentir que ela - uma cantora tão cavernosa - fez algumas concessões, procurou suavizar a voz, dá para sentir o eco da bela letra de Tom na minha alma.

Mas porque isso? Sinto que é uma música inacabada. Tal como é a nossa vida. Ela pede um complemento, que o maestro, sabiamente, negou. É um complemento que nós temos que infringir ao nosso destino. "Que só em teus braços, amor, eu ia ser feliz"... todos nos sabemos! O Felizes Para Sempre está lá, incrustado nos contos de fada... Mas o que será esse "Pra Sempre", meu Deus?

Eu vou confessar... este blog é o mais íntimo desde que comecei a escrever. Eu tentei não dar nenhuma dica do que eu sou... mas não resisto. Tive um cancer no olho esquerdo. Devido a várias cirurgias, ele é um pouco mais abaixado que o esquerdo. Sabe o vocalista do Radiohead? Pois é. Mais ou menos como o dele.

Porém, isto nunca me atrapalhou. Sempre fui um bom aluno, com boas notas e, sem perceber, com uma forte personalidade. Personalidade que sempre atribui aos meus sofrimentos aos 6 anos. Era um peso demais para uma criança carregar. Neguei que existia o problema. "Eu sou normal!" repetia a mim mesmo sempre. "Hei de vencer", era o meu lema.

Qual o preço pago por esta luta? Uma negação intensa do meu "Eu". Uma busca desenfreada pela perfeição nos outros. Nunca dentro de mim. Tinha vergonha de olhar para dentro de mim, com o meu olho bom e o meu olhinho capenga. Imaginava-me apoderando-me do olho dos outros, do corpo dos outros, que não eram meus!

Por que meu Deus? Para chegar a essa idade sem uma personalidade definida. Sem uma história percorrida, totalmente perdido na encruzilhada das minhas emoções, vivendo a vida dos outros, tentando encontrar o restolho de mim em outras vidas que não foram nunca minhas. Que nunca serão minhas.

Era um menino que gostava de letras. Nunca gostei de imagens. O Menino Maluquinho, para mim, era um engodo. "Para que tantas imagens gigantes cobrindo as páginas?". "Onde estão as palavras?". Gostava das palavras, acariciava-as a cada leitura, voltava quantas vezes forem necessárias para decrifrar trechos e trechos de expressões que me fascinavam. Isso explica o fato deste blog não contar com imagens de suporte. Nunca precisei delas. Ou será?

Era um menino que gostava de escrever. E escrever poeminhas. Redações. Historinhas. Esse menino foi sendo asfixiado por falsas pretensões. Por fingimento de uma pessoa que nunca foi, que nunca era, que nunca estava. Passei 20 anos sem escrever, culpando a preguiça, a correria, o livro da faculdade, o lugar no futuro a me esperar - que futuro? onde está a felicidade?

Era um menino que, na terceira série, ia com uma mochila lilás que adorava, que usei até acabar e acusado de bichinha pelos colegas maldosos. Mas que não ligava. Encontrava forças em mim mesmo e na minha mochila poderosa. Na minha capacidade de argumentação. Na minha inteligência.

Onde está este menino? Será que ainda vive dentro de mim ou foi comprensado pelas necessidades da vida. Sinto que preciso dar fôlego a este menino, preciso dar-lhe amor. Para que ele abra os olhos e veja! Veja, seja lá o que for, antes que seja tarde! Que seja destemido! Que nunca tenha medo de viver! Que nunca tenha medo de ninguém! E, principalmente, que nunca tenha medo dele mesmo e da felicidade que o aguarda na próxima esquina. Sim, a felicidade é tão almejada. Mas ela pode ser perigosa. A Felicidade anestesia.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

29 de fevereiro

Amanhã é mais um dia desesperadamente esperado por uma parcela ínfima da população. Aqueles que podem mentir deslavadamente a idade, que ninguém vai recriminar.

Me lembro que, quando estava na segunda ou terceira série, uma menina, bem bonitinha, aprumada, da minha sala completava aniversário em 29 de fevereiro. Antigamente, era uma aberraçãozinha ter que dividir a sua verdadeira idade por quatro e informar que estaria completando, na verdade, 2 anos...

No nosso mundo contemporâneo o luxo, a exclusividade, a primazia dos poucos e bons é valorizada. Um mundo que, contraditoriamente, convive frontalmente com a civilização fútil dos BBBs, do culto da celebridade e do aparecer a qualquer preço. Sim, fazer aniversário em 29 de fevereiro ficou legal, exclusivo, chique. In.

O sonho acabou

Pois é...

O Brasil estava torcendo desesperadamente para que o furto dos computadores da Petrobrás configurasse espionagem industrial. Já pensou? Acionarmos a Interpol, chamarmos James Bond, os Superamigos, até mesmo o Chapolin Colorado para resolver este mistério?

Pois é... nossos ladrõezinhos de galinheiro ainda não provocaram tanto estrago. É uma pena... Mas há um lado positivo: para estes, há Justiça. Agora, quando se sobe na hierarquia da bandidagem, acho que nem o Superhomem resolve.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Inveja

O cio tem inveja de Marlon Brando.
Queria contar com a sua destreza
Queria dominar com o seu poder.
Queria anestesiar mentes e corações
tal como o éter!

Mas como operar este feito?
Se Marlon Brando nasceu Marlon Brando
E o Cio é simplesmente o cio?

Ele tentou várias artimanhas:
instigou o tempo
para fazer Marlon Brando envelhecer

Mancomunou-se com a depressão
Para tirar-lhe a vitalidade

Buscou acordos excusos com o peso
para inchar-lhe, preencher-lhe
de uma gordura aparentemente abjeta

Deu-lhe grandes problemas familiares,
cercando-o de escândalos, suicídios
ódios, temores e falta de amor...

De nada adiantou... a sua magia
prosseguiu até o final.
Marlon Brando é Marlon Brando
e o Cio é apenas o cio.

Observação: o que eu tentei exprimir por pobres palavras, pode ser constatado no seguinte vídeo http://www.youtube.com/watch?v=S1A0p0F_iH8

Insônia

São 2 horas da manhã e o sono me foge. Corro atrás dele, mas ele sempre vai adiante. Não, não estou deprimido. Também não estou eufórico. Eu só sinto uma grande saudade. Postei alguns scraps para amigos queridos, porém distantes. Pessoas que não vejo há muitos anos, há muitos meses, há muitos dias, há muitas horas. Não importa o tempo! Importa é essa distância-proximidade que nos separa e nos une, ao mesmo tempo.

Uma carta que enviei a um amigo, que mora na Jordânia. Voltou. com um carimbo em árabe. Mesmo não compreendendo esta lingua, é claro que algo faltou para que a missiva chegasse no destino. Espero um contato deste amigo com o endereço completo. Espero que não demore. Cartas escritas com esferográfica são como pão quente. Estou quase desistindo de enviá-la. Tornar-se-á pedra. Perderá o efeito do milagre. Não mais alimentará. Precisaria ser comido na hora. Urgente!

O destino também é fugidio. A gente sabe que ele existe e o buscamos, sem sucesso. E quando não o buscamos, ele nos bate à porta, sorrindo ou chorando.

Estranho, pela primeira vez escrevo algo sem ter um título à cabeça. Tenho por costume titular primeiro essas crônicas e depois desenvolver o texto ao sabor da febril atividade do coração, dos sentimentos e da mente, a santíssima trindade. Por isso, muitas vezes, não há correspondência entre títulos e textos. Não estou nem aí. Quem disse que casamentos precisam ser perfeitos? Só os contos de fadas, na parte do felizes para sempre, que nunca, jamais! ninguém teve coragem de nos contar.

Deu uma vontade louca de ouvir Buena Vista. Ouço Ibrahim Ferrer e companhia agora. É um som que me toca... penetra na minha tristeza absurda e na minha curta felicidade. Tem um tanto de melancolia, com uma pitada de ironia, ingredientes básicos para sobreviver à rotina. Li no blog de uma amiga um elogio à rotina. Concordei com ela. Porém, é tão difícil convidarmos essa senhora monocórdia a habitar os recônditos de nossas moradas. Ela não tem um cheiro agradável. Não chega a feder, mas incomoda. Sempre buscamos perfumes, atavios e artifícios para disfarçar a sua presença.

Dizem que todos temos um cheiro específico, próprios de nossa personalidade. Por que teimamos em disfarçá-los com essências e especiariais que padronizam os tudos, criam estilos, sejam sofisticados, sejam de puro desespero? Os perfumes serão marcos de classes sociais? Dividimos as pessoas entre as que usam rexona ou dolce gabbana? Ambos são aceitáveis. O que não se admite é o puro cheiro de cecê. O odor característico da personalidade, da humanidade.

Pensamentos são nexos: os puristas, ao ler estas linhas, me acusarão de falta de coesão e de coerência: onde estão as marcas de interligação textual, tão admiradas, procuradas e analisadas nos concursos públicos - tão em voga na atualidade - e nos vestibulares? Não, aqui, para eles, não há lugar. Eles já dominam demais o mundo! Aqui, reina a desordem, impera a anarquia de palavras e de idéias. Só não tenho coragem de me tornar ininteligível.

ai se eu pegar um erro de português inadvertidamente cometido! Só valem aqueles propositais, afins de provocar a argúcia e despertar o ódio dos perfeccionistas. Os que brotam naturalmente, os que apontam para as nossas fragilidades e nossas imperfeições, esses são imperdoáveis. Viva o imperfeito!

Entrei numa armadilha agora! Não tenho um fecho, não pensei num chavão de ouro para completar esta crônica... sabe, tô com preguiça hoje. Vou dormir! Até a próxima, se o amanhã permitir. Ah, e o título vai ser insônia... afinal, é isso que acomete, mesmo. Deixemos o "Sem Título" para outra ocasião mais desesperada...

Ah, não quero ir embora, queria continuar escrevendo mais blablablablabla zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Responda rápido

Onde os fracos tiveram vez:
Resposta: Na cerimônia de 80 anos do Oscar

O desejo no cio

Sim, muitas vezes sou como uma pequena criança, que se deleita ao ver repetidas vezes o mesmo filme. Parece que meus olhos, meus sentidos, minha mente, meu coração recusam-se a finalizar determinado tema e eu preciso, novamente, voltar às fontes.

É o que ocorre com a atuação de Marlon Brandon em A Streetcar Named Desire (no Brasil, traduzido por Uma Rua Chamada Pecado, mas que particularmente prefiro nomear Um Bonde Chamado Desejo). É incrível como, simultaneamente, Brando transmite as carências afetivas de uma criança e o desejo saltado de um cão em pleno cio. O desejo em seu formato bruto que desnorteia a confusa Blanche du Bois e que deixa Stella sem alternativa. Ela tem que obedecer a esse chamado, tal como um zumbi. E, não! não a condenem! Ela é feliz neste Estado. Se não obedecer, a loucura tomará conta.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Estátuas de barro

Hoje, joguei-me no abismo da tristeza, onde as lavas incandescentes da amargura estavam lá, a me esperar... Não sei se estou escrevendo certo, os sentimentos não admitem recursos. São muito mandões, os sentimentos, mandam-me escrever agora! Depois eu vejo se lava se escreve desta forma.

Não! Não fugirei desta vez com pensamentos fugidios, quero mergulhar até o fundo nesta tristeza que me abate. Não uma tristeza depressiva, mas uma melancolia própria de um ser humano que tem alma, cérebro e coração. Vejo barro, barro e mais barro ao meu redor. Será o barro constituinte de nosso corpo? Aquele mesmo que serviu de material a Adão, que criou a costela que formou Eva? Que serviu de instrumento à cura do cego?

Pensava isso quando o refluxo me puxou à tona, me levando à superfície. Me levantei. O contato da incandescência com o gélido vento da vida provocou um endurecimento da lava. Meu molde ficou perfeito. Fiquei ali, parado, a observar, observar... tudo isto que me forma, tudo isto que condiz com a minha existência humilhante e exaltante.

Revoadas de beija-flores e pintassilgos tentavam me reanimar. Sim, talvez seja de barro e tristeza a formação da seiva que alimenta as flores, que os alimenta diretamente. Seu pequeno sopro, o instantâneo revoar de suas pequenas asas eram um refrigério ao coração. Esses movimentos me consolavam, me deixavam contentes. Eu tinha certeza de que, pelo menos as minhas lágrimas, a minha humanidade, estariam a salvo. A pior coisa que existe é uma tristeza que te imobiliza, que não te provoca nenhuma, nenhuma lágrima quente... Graças a Deus que era uma estátua de barro. Estátuas de sal afugentam os beija-flores e os pintassilgos!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Tentações

Quando o mitológico Ulisses, protagonista da Odisséia de Homero, precisou passar por determinado trecho de sua viagem, ele foi obrigado a se amarrar ao mastro do barco e tapar os ouvidos para evitar ser atraído pelo canto de belas mulheres que causavam a desgraça dos marinheiros. No folclore indígena, é famosa a história da Iara, que arrasta para o fundo dos rios todos os homens, atraídos por seu mavioso canto.

O que ocorreria se esses homens não resistissem a essas tentações? Que outros mundos eles deixaram de conhecer ao se recusar, bravamente, a ceder aos cantos das sereias... será que o curso dahistória e da História seria alterado caso Ulisses desviasse de sua rota e passasse uma noite, uma vida ou várias gerações (neste ponto, a determinação temporal pouco importa). Que outros mundos as iaras indígenas queriam apresentar aos incautos que caíam em sua maviosa voz?

Em Sweeney Tood, o mais recente filme do diretor Tim Burton, um dos personagens cedeu a esse encanto, ao ver a bela filha do protagonista - presa tal qual um passarinho na gaiola - lamentar a sua dor. Só de haver sobrevivido à trama macabra e sanguinolenta (sorry, não resisto a contar o final de filmes) já é uma imensa recompensa à sua ousadia!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Correção

Um amigo muito atento e perspicaz, ao ler o post "Nossa Madame Clessy" me perguntou: Nesta montagem, a personagem da cortesã não teria sido interpretada por Nathalia Timberg? Fiquei em dúvida. Li em um site que Tonia Carrero foi encarregada do papel, mas outros sites informam que coube a Nathalia Timberg interpretar. Joguei as duas opçoes no Youtube, mas sem sucesso. Se alguém puder confirmar a informação, agradeço! E peço desculpas a todos pelo erro. Porém, mantenho, acesa, a minha Clessy afrancesada...

indecifrável

A incomunicabilidade reina nos sentimentos amorosos. Nos cruzamentos de olhares, o amor vem sempre acompanhado do medo: um temor irracional de desagradar, de causar repulsa, da não-correspondência. Nunca nos vêm à cabeça que o fato de o outro se sentir amado pode superar todos os temores, reais e imaginários. Porém... ah! porém! nós temos até medo de causar este sentimento de ser amado.

Por isso, a solidão reina! Já não há mais esfinges que nos desafiem em enigmas. Estamos muito confortáveis na nossa posição, para que avançar? Para que ouvir a voz do coração e tentar ser feliz! Existirá essa quimera chamada felicidade? Ela é uma sensação que combina com o amor, como o arroz combina com o feijão? Ou será que o amor está de flerte com a dor e com o coração dilacerado? Um flerte que não, necessariamente, resultará em relações carnais. Mesmo porque elas já se esqueceram do amor, há muito tempo, em algum lugar do caminho, longe das vistas dos mais potentes espelhos retrovisores. Não nos entregamos mais por inteiro!

As palavras são impotentes para nos proteger dessas sensações vertiginosas. Agora, ouço a voz rouca e deprimida de Maysa e me ponho ainda mais em dúvida se haverá esse paraíso amoroso. A verdade é que um inferno de sensações aquece meu coração. As dúvidas, os medos superaram as delicias do prazer. A nossa finitude e a incerteza de haver um porvir são mais fortes.

Pois é, fica o dito pelo não dito. Não há regra gramatical que se aplique para as descorrespondências... gosto da palavra shelter, abrigo em inglês. Ela é uma palavra acolhedora realmente. Você a escuta. Você se sente até mesmo mais seguro. Mas é uma palavra apenas. Pode ser uma mentira, que suportamos até por uma certa conveniência. Porém, até quando?

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Eletrocardiograma

Meu coração não quer nada!
Meu coração quer tudo!
Meu coração não sabe o que quer...

Ele quer olhar todas as coisas
Ele quer saber de toda a sabedoria
Ele quer compreender todos os mistérios...

Mas a razão - sempre ela! Vem dizer
que não é possível, coração
Acalme-se! Deixe um pouco para outras dimensões

Mas meu coração, este objeto teimoso,
não quer saber! Quer sofrer, quer chorar
e não ouve ninguém

Mal ele sabe que é uma caixa...
uma frágil caixinha... quebradiça, de Cristal
simples caixinha... onde ressoam, pulsam, falam
vozes de todos os timbres, de todos os tamanhos

Vozes que dizem coisas desconexas
Vozes que fazem sons dissonantes
Vozes que gritam com urros altissonantes...

Dizendo mensagens incompreensíveis
Clamando por desejos inalcançáveis
Querendo subir morros inatingíveis

É o coração pertubador - arrancado da tumba de Poe -
Que bate, ressoa, grita, querendo acordar este corpo moribundo
essa pele ressequida de seu coma...

E entre tantas vozes, a dEle se sobressai - dizendo
Coração, libere os seus moradores, seus fantasmas
dê ar às cordas vocais, para que o que está escondido saia

Somente desta forma é que vc diminuirá o trânsito de sinapses
que produzem um congestionamento monstro em seu cérebro
tal como a saída da Anchieta-Imigrantes em véspera de feriado

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Sem fôlego

De repente, o msn - como uma grande caverna- se abriu com uma pergunta que não esperava:
"Posso lhe fazer uma pergunta?"
Pronto - pensei comigo - ele adivinhou a minha paixão... e agora? o que faço? talvez as próximas cinco palavras (mais o acento interrogatório) detonarão um período curto, porém incessante, de puro êxtase e felicidade, traduzidos em meros instantes eternos... talvez não há de ser nada, ele só me pergunte como deverá estar o tempo no próximo fim-de-semana... afinal, eu sei de tudo. A prosa me deixa onisciente.
Mas como ele terá descoberto as minhas intenções? O que em mim, me denunciou? O meu olhar maroto, caçador, voraz, semelhante ao do leão que avista a sua presa? O sorriso no canto do lábio que desnudou toda a minha lascívia contrita? o maneio de uma cabeça repleta de sentidos multidimensionais.
E se ele me perguntar se eu amei alguém? E se ele perguntar se eu o amo? Pior - se ele me perguntar se eu me amo? Pobre de mim que sou. A música incidental para este momento, me acusando da minha latência, provém do Deus Vinícius entoado pelo profeta Milton... "Você não sabe o que é o amor, não sabe, eu sei... Você já chorou de dor? Pois eu chorei..."
Tento reagir... Por um acaso você soube o que é o amor, Vinicius? Você que passou por esta vida o procurando, tal qual um cavalo ou um coelho, cuja cenoura suspensa acima de sua cabeça o faz vagar sem esmo em busca de saciar uma fome que nunca será saciada... O amor é essa armadilha que ninguém sabe definir e nunca, jamais! ninguém saberá significar. Eu também tenho a minha cenoura!
Fico sem fôlego diante de tanta expectativa... O tempo congela-se a ponto de se enxergar pequenas gotas de orvalho, imobilizadas... no ar, na contraluz de um luar de uma gorda lua cheia, imensa, a nos sorrir, sem saber porquê... talvez zombando de nossa breve condição humana, que não nos dá a graça de enxergar todo o processo, talvez apenas transitar - a esmo - por ele...
O tempo passa rápido, como em uma pequena ampulheta, se escoa a areia do meu desespero... estou sem fôlego, atônito, com os olhos revirando em busca de algum socorro... pareço um hipocondríaco na fila da montanha-russa... me lembro de uma amiga me contando que, no caso das máscaras de despressurização caírem, temos pouco tempo para as colocar, porque o avião cairá em menos de 2 minutos para poder nos conceder o ar de nossa sobrevivência... Não! Não! o meu coração, que ama a estabilidade, não aguentaria essa queda abrupta... pararia de bater no primeiro segundo. quero sair! num passe de mágica, de preferência, mas não posso! não posso!
Enfim, vieram as cinco palavras fatais... os aproximadamente 50 caracteres que, agrupados em determinada ordem, dão sentido a um período... o meu respiro é de um alívio. A turbulência passou. Começou a chuva torrencial. Montanhas-russas não funcionam com umidade. A pergunta era sobre uma trivialidade tão banal que até me esqueci. Por hoje, estou salvo! Mas até quando, Meu Deus?! Dê me coragem para enfrentar este enorme medo de falar!

P.S. Quis escrever sobre o suicida da Castelo Branco hoje, mas o meu coração me mandou escrever a coluna acima. Perdão aos que esperavam algo para esquentar este blog... quem sabe em outra ocasião.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Desejos...

Não! Não quero sentir minha quente carne em contato com a fria lage! Enterrem-me na grama, na terra. Não deêm mais trabalho aos vermes para deglutir este corpo macerado pelas ondas da existência e transformá-lo em energia renovada e vida... Quero ficar debaixo de uma árvore frondosa, de preferência no parque do ibirapuera, sentido os raios do sol e as gotas de chuva perpassarem e ultrapassarem os tênus, invisíveis e intangíveis fios de minh´alma...

Tudo isso porque não sei controlar o meu desejo, que me leva à autodestruição. Quero pegar o sol! Mas não posso... Tal como Icaro, morrerei icinerado milhões de anos-luz antes de poder vislumbrá-lo

Quero beber toda a água do mar! Me é impossível... toda a água do mar não caberia neste mísero corpo e me seria doentio dar vazão a todo este sal...

Então, o que fazer com este desejo? Contentar-me com a minha simples condição de humano?

Deus, para mim, não me é mais um mistério. Sinto-o dentro de mim, caminhando comigo. Meu grande mistério sou eu!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Ante(i)visão

- Tire seus óculos!
- Pra quê!
- Para enxergar o mundo como ele é. Para ver as coisas como elas são!
- E se me recusar!
- Estarás negando à sua existência a oportunidade de distinguir a palidez da morenice, a estupidez da sensatez, o claro do branco, o amor do...
- O amor do...?
- não sei! Falta-me antônimo para o amor. Talvez porque não me é claro um conteúdo para esta palavra. E sem conteúdo, não há como definir, não há como comparar, só há como sentir... mas sentir o quê?
- Pois as minhas sensações vêm da visão e eu preciso de meus óculos para defini-las
- Os óculos podem te ajudar a distinguir o material, mas confundem os espíritos. Na verdade, quanto mais perfeitas são as definições, menos claros são os sentimentos.
- Isso significa que posso estar não enxergando com os meus olhos?
- Enxergas, porém somente a superfície, o plano, o presente. É preciso um esforço maior para enxergar em outras dimensões, em outros tempos. Ficar sem os óculos é um exercício. Um estágio para a antevisão!
- Que antevisão?
- A antevisão das coisas. Que pode, perfeitamente, se transformar numa antivisão. O anterior, muitas vezes, vira o antônimo. O ódio transforma-se em amor em um passe de mágica. Em outro, é o amor que vira ódio, em instantes. O perfeito enxergar já te dá tudo? A dificuldade em ver te estimula a sentir, a passear pelos ventos que se refestelam nas asas das aves em pleno outuno, no odor de uma refeição feita com amor, te faz passear alucinadamente nas esquinas energéticas dos raios que produzem a química amorosa. Te atraem para o teu centro. Você é o Centro!
- Mesmo sem enxergar?
- Poderás ter a ilusão de não estar enxergando, mas estarás vendo muito mais que as simples penumbras e os borrões. Não te deixes proteger pela claridade de vista. Às vezes, ela é enganadora. Às vezes, ela é um artifício. Sempre, ela será uma construção.
- Construção de quê?
- Construção das ilusões que te cercam. Dos castelos que aprisionam a tua intuição em mera formalidade. Das sensações que orientam seus outros sentidos. Da forma como realmente és, e não como o mundo te formata. Hás de te aceitar em primeiro lugar, para, posteriormente, aceitares seus alteres. Essa é a perfeição.
Cansado de argumentar, resolvi tirar os óculos. E caminhar no curto espaço que nos separava. Tropecei numa mesa. Sangrei. Sim, enxergar o mundo com outros olhos é muito bom. Mas ninguém havia me avisado de que o preço disso seria uma dor. A dor de viver!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Nossa Madame Clessy

Vestido de Noiva foi um marco na moderna dramaturgia brasileira. Fato inegável, constante nos melhores e mais respeitados livros de história e de literatura do país. A divisão por planos, a confusão mental, principalmente de Alaíde (a noiva em questão), que morre tragicamente atropelada, reflete um pouco a torrencial e atabalhoada corrente de pensamentos que perpassa nossos neurônios e nossos músculos.

Na montagem feita pelos Satiros, em cartaz até o próximo domingo no Itaú Cultural, em São Paulo, Alaíde me parecia mais dúbia. Ou será que a mim - Bentinho que sou - ela se revelou uma nova Capitu, que não sabe se matou ou não o marido com golpes na cabeça, que foge, a qualquer custo, de seu destino trágico, que é ser traída (ou supostamente traída) e igualmente morta (ou supostamente morta) por sua própria irmã e seu marido?

Mas não foi Alaíde, Pedro ou Lúcia, o que mais surpreendeu nesta revisitação ao universo rodriguiano. O mais chocante foi o que se revelou por trás de Madame Clessy, a velha cortesã cujo diário e o escândalo de um relacionamento com um menino de 17 anos povoaram a fértil imaginação de Alaíde.

Em princípio, a interpretação de Madame Clessy por Norma Bengell me chocou. A imagem mítica da personagem, talvez influenciada pela clássica interpretação de Tonia Carrero no famoso teleteatro da TV Cultura, se desvaneceu. Esqueça o perfume, a sofisticação e até mesmo o sotaque afrancesado. Você não encontrará nada disso na Clessy de Bengell: rústica, quase um diamante que se desgastou pela forte ventania do tempo e pelo abuso da vida. Em nada, nada, ressoa o mito que povoa as nossas cabeças, a não ser os poucos arroubos românticos e pueris que invadem a sua fala, seus suspiros, seu olhar.

A genialidade de Nelson Rodrigues pode ser encontrada no artifício que ele encontra ao espalhar - tal qual Machado de Assis em Dom Casmurro - falsas pistas na longa, sinuosa, acidentada e perigosa trajetória de Vestido de Noiva. Enquanto alguns jornalistas emolduraram a cobertura da morte de Madame Clessy, reforçando o seu mito e jogando mais lenha seca na incendiária imaginação de Alaíde, outros já vão secos na secura da história: uma velha prostituta que morreu apunhalada na face, pelo seu namorado adolescente.

Em que devemos acreditar? Na glamurosa morte de Madame Clessy, cheia de vida, no auge de sua carreira ou na tragédia que a acometeu? A única certeza é a da data da sua morte, em um longínquo ano de 1905. Nem a moda e os costumes de outrora sobreviveram, mas as suas memórias e a sua lenda ainda ecoavam pelos cantos umedecidos e repletos de teias de aranha do castelo.

Pouco saberemos porque não sabemos nem se Clessy foi uma realidade. Ou se não foi um simples nome de guerra dado a uma pobre nordestina migrante, moradora de Bangu, a princípio formosa, que não tinha nada a mais a oferecer que não o seu corpo, mas que, com o tempo, tornou-se banguela, pelancuda e esclerosada. Essa pobre mulher, com nome de batismo Maria das Dor, não mereceu nem mesmo a misericórdia do escrivão do cartório, que não fez a devida concordância e deixou seu nome nos arquivos, eternamente, grafado de forma errada. Não, definitivamente não! Madame Clessy é muito mais elegante! Apesar de etéria e, pout-être, não passar de mera ficção...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O gato de Floripa

Não devia ser adulto. Pelo tamanho, pelugem e carência, o gato da casa de veraneio de Floripa não passava de um filhote. Como todos os outros gatos, é impossível descobrir, de cara, se é macho ou fêmea. Sabiamente, a natureza reservou aos gatos a capacidade de esconderem a sua condição sexual e se revelarem apenas no momento certo.

Porém, uma coisa era sabido. O bichano estava em sua dura missão de aprender a ser gato. Sim, talvez como os humanos, todos os animais devem passar por um período - mais curto ou mais extenso - de aprender o que é ser Eu. Ou será que todos nascemos com alguma predisposição que se revelará em breve ou frustrará toda a nossa espontaneidade?

Só sei que o gato demonstrava outra característica peculiar da sua juventude: a audácia em viver. Embora cercado de desconhecidos, ele não temia ser acariciado, chamado de fofinho, alvo de brincadeiras típicas que só adultos fazem com os gatos. O fato de sussurarmos entre os dentes, usando o agudo máximo da voz - bixanbixanubixanbixanu - soava-lhe como música aos ouvidos.

E, como bom gato que era, ele insistia em seu caminho. Ficava em cima do telhado eternit, tomando impulso para saltar. Ao perceber que conquistou o afeto dos temporários moradores, já passou a querer, insistentemente, invadir a casa. Ops! Intimidade tem limites e, afinal de contas, xixi de gato em uma casa estranha é uma das piores coisas que pode acontecer a um grupo de amigos em um simples veraneio em Florianópolis. O gato já aprendeu desde cedo que o simples desejar não significa necessariamente conquistar. E é bom. Ele aprendeu no momento certo e evitou grandes frustrações futuras.

Os miados insistentes em busca de comida e o olhar: sim, aquele olhar maduro, fixo, amoral, que busca a sedução do alheio, definitivamente, mostram que o jovem gato está em seu caminho certo: o de se tornar um maduro gato para, posteriormente, crescer, reproduzir (seja qual for o seu gênero), gerar novos gatinhos filhotes e, após, morrer, e morrer miando.

Este é o seu ciclo natural, ao qual ele não escapa. A condição que a natureza lhe impôs e que ele respeita, como forma de garantir a sua integridade. Sim, meus amigos, por mais que ele queira, por mais que ele fuja de sua mera condição de gato, a verdade é que, jamais, o gato poderá latir.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

pequenas pérolas noturnas...

Ainda sobre Amy Winehouse...

As declarações de Natalie Cole, de que a premiação da cantora inglesa seria um mau exemplo para a juventude, faz suscitar uma dúvida: uma cerimônia como a do Grammy deve levar em conta efeitos morais para conceder o troféu a um artista gabaritado ou esquecemos de que são critérios artísticos que devem guiar a decisão dos jurados?

Ainda sobre Amy Winehouse - parte II...

Vou me esforçar para que as considerações sobre o caso encerrem-se aqui. Mas não me responsabilizo por provocações futuras...

Sobre Formigas e Sapos

Em relação à ética do trabalho, comentávamos, eu e uma querida amiga, sobre os prazeres de se criar uma vida inteiramente calcada no trabalho e em relações pessoais e de suas dificuldades, principalmente em relação aos sapos engolidos durante a longa estrada...

Sorte que os sapos são mais facilmente deglutidos pela dignidade...

...

Reparem o excesso do uso de reticências... não consigo me controlar... é pensamento demais para pouco vernáculo!...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Amy Winehouse

É certo que o mundo das celebridades tenta criar alguns produtos culturais consumíveis... Madonna, como dizem uns amigos meus, brilhantemente, foi uma das poucas que conseguiu inverter o jogo. Reza a lenda que não Ela não precisa mais da mídia, mas a mídia precisa de Madonna...

Pode-se dizer, por outras razões, que este é o caso de Amy Winehouse, a grande vencedora do Grammy deste ano e que, ironicamente, não pôde comparecer à cerimônia, com o visto negado supostamente por seu envolvimento com as drogas

Digo que as razões são diferentes porque nela realmente se sente uma energia que é ancestral. Não só no clipe de "Rehab" - seu grande hit - mas em outras canções, ouve-se a reverberação de um time de cantoras de jazz que, no passado, impunha uma grande força em suas interpretações. Infelizmente, não conheço todas, mas Dinah Washington, com seu timbre um pouco nasalado e uma potência segura, é uma delas.

Mas a grande arma de Winehouse está no seu olhar. Ao demonstrar, no clipping, insubordinação enquanto, teimosamente, se nega a ir a uma clínica de reabilitação, ela demostra a inquietude de uma verdadeira artista. Um certo inconformismo em relação ao mundo e à sociedade que é paradoxal às declarações que deu de que seu vício em drogas é incurável.

Mais paradoxal ainda: um inconformismo que vende jornais, que atiça a curiosidade da sociedade do espetáculo e que contribuiu, de certa forma, para a conquista de uma premiação no país mais careta do mundo, assolado por uma onda neoconservadora há vários anos e que corre o sério risco de continuar no poder. Esse público aplaude de pé e premia um talento que leva um estilo de vida absolutamente incompatível com os seus dogmas.

Ou estamos diante de uma grande incongruência ou realmente a nossa sociedade do espetáculo é bastante hipócrita!

postagem inicial

Olá

Esta é a minha segunda tentativa de se criar um blog. A primeira se perdeu no vento, no esquecimento da minha memória e do intrincado, perigoso e insinuante jogo de palavras que a extrema proliferação de diários virtuais nos obriga a adotar.

E foi bom! É possível que, no momento em que criei o outro blog, o cosmos ainda não havia conspirado para a sua verdadeira inspiração. E ela veio com a grande Clarice. Este título, que graças a Deus ainda estava disponível, é inspirado em sua obra, que reúne as crônicas desenvolvidas para o Jornal do Brasil entre 1968 e 1973, "A Descoberta do Mundo".

Este blog serve para redescobrirmos nossos mundos: seja o nosso mundo interior, nosso pré-mundo, a dura realidade que cerca a nossa volta, a doce vida que, com o espírito leve de uma brisa, vem refrescar o inferno de sermos o que não somos perante os outros. Os pensamentos que não temos coragem nem para revelar a nós mesmos, terá espaço seguro aqui.

Enfim, neste espaço, tudo é possível, tudo é criticável, tudo é passível de elogios e de vaias. Ingresse nesta viagem e venha ser feliz. Não é necessário falar das novidades do dia. Assuntos antigos, mas eternos também são benvindos.

Aos seus lugares!

Rui Santos