sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Ante(i)visão

- Tire seus óculos!
- Pra quê!
- Para enxergar o mundo como ele é. Para ver as coisas como elas são!
- E se me recusar!
- Estarás negando à sua existência a oportunidade de distinguir a palidez da morenice, a estupidez da sensatez, o claro do branco, o amor do...
- O amor do...?
- não sei! Falta-me antônimo para o amor. Talvez porque não me é claro um conteúdo para esta palavra. E sem conteúdo, não há como definir, não há como comparar, só há como sentir... mas sentir o quê?
- Pois as minhas sensações vêm da visão e eu preciso de meus óculos para defini-las
- Os óculos podem te ajudar a distinguir o material, mas confundem os espíritos. Na verdade, quanto mais perfeitas são as definições, menos claros são os sentimentos.
- Isso significa que posso estar não enxergando com os meus olhos?
- Enxergas, porém somente a superfície, o plano, o presente. É preciso um esforço maior para enxergar em outras dimensões, em outros tempos. Ficar sem os óculos é um exercício. Um estágio para a antevisão!
- Que antevisão?
- A antevisão das coisas. Que pode, perfeitamente, se transformar numa antivisão. O anterior, muitas vezes, vira o antônimo. O ódio transforma-se em amor em um passe de mágica. Em outro, é o amor que vira ódio, em instantes. O perfeito enxergar já te dá tudo? A dificuldade em ver te estimula a sentir, a passear pelos ventos que se refestelam nas asas das aves em pleno outuno, no odor de uma refeição feita com amor, te faz passear alucinadamente nas esquinas energéticas dos raios que produzem a química amorosa. Te atraem para o teu centro. Você é o Centro!
- Mesmo sem enxergar?
- Poderás ter a ilusão de não estar enxergando, mas estarás vendo muito mais que as simples penumbras e os borrões. Não te deixes proteger pela claridade de vista. Às vezes, ela é enganadora. Às vezes, ela é um artifício. Sempre, ela será uma construção.
- Construção de quê?
- Construção das ilusões que te cercam. Dos castelos que aprisionam a tua intuição em mera formalidade. Das sensações que orientam seus outros sentidos. Da forma como realmente és, e não como o mundo te formata. Hás de te aceitar em primeiro lugar, para, posteriormente, aceitares seus alteres. Essa é a perfeição.
Cansado de argumentar, resolvi tirar os óculos. E caminhar no curto espaço que nos separava. Tropecei numa mesa. Sangrei. Sim, enxergar o mundo com outros olhos é muito bom. Mas ninguém havia me avisado de que o preço disso seria uma dor. A dor de viver!

Nenhum comentário: