terça-feira, 22 de abril de 2008

O pesadelo de Cassandra

Os mitos estão lá. Todos. Aglutinam-se. Entrelaçam-se. Caim e Abel são inquiridos por um anjo malvado que, tal como a Abraão, pede um sacrifício de sangue para provar sua lealdade a Deus. O porém é que este anjo, tal como Janos, possui duas faces. E não revela a sua misericórdia e o amor de uma dimensão paralela, deixando-se perder a esperança de uma geração, de um povo.

Falo, em metáforas, do "Sonho de Cassandra", último lançamento do excelente diretor norte-americano Woody Allen, onde ele trata, mais uma vez, dos limites da ambição humana.

O enredo é simples: dois irmãos, de classe média baixa, enforcados até o pescoço em dívidas e ambição, aceitam a empreitada de um tio sempre generoso, que encomenda a morte de um executivo que pode colocá-lo na cadeia. Depois de muito hesitar, os dois irmãos executam o que pensam ser o crime perfeito.

É a partir daí que se inicia um jogo de espelhos que se torna muito, mas muito perigoso. O nosso Caim contemporâneo não traz as boas primícias aos pés do Senhor: ele as dissimula, em nome de uma ambição, de um futuro glamuroso, de um sonho que, finalmente, irá se concretizar. O que passou, passou, o importante é o agora. Pressionado pela ditadura da juventude, da pressão pelas histórias fantásticas e precoces de ambiciosos executivos que ajuntaram grandes fortunas ou de grandes topmodels que se consideram velhas já, aos 23 anos, esse Caim julga que já está no limite para seguir a sua própria jornada e ser feliz.

Mal ele contava que ficaria preso a uma honestidade intelectual, quase infantil, de um Abel, que ainda deposita o melhor do melhor de sua hortinha aos pés do Deus-Todo Poderoso. Um arremedo de loucura, corroborado pela culpa, pela bebida exarcebada e pelo aumento do consumo de remédios parece tomar conta desta própria criatura, que se predispõe a fazer justiça a qualquer preço e a diminuir o peso de sua consciência.

Sim, meus senhores, o circo de Woody Allen está mais uma vez armado. Tal como o Diabo de Goethe, que cobra caro - e com juros - os desejos oferecidos a seu jovem pupilo, a vida moderna vem cobrar uma posição dura de nossos títeres. O Caim clássico mata a Abel e se mata, ao atrair para si a ira divina. A nossa versão contemporânea dos irmãos Karamazóv não tem a mesma fortuna... eles não merecerão perdeu. Deixarão as infelizes Penélopes a esperar, tricotando inutelmente as suas mantas... Já que isso é uma mistura de arquétipos, deixo a liberdade fluir para lhes dar este final, trágico deslance. Tudo nos sonhos de Cassandra são confusão, coerentes e coesas ao mesmo tempo.

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