sábado, 16 de janeiro de 2010

Olhando o passado...

Mirando atrás, hoje eu posso vislumbrar melhor o presente. Quantos sentimentos confusos, antagônicos, dissonantes passaram pelo meu corpo e corações em todos estes anos. Certezas profundamente arraigadas mostram-se para mim, atualmente, com outra roupagem. Antigas paixões que hoje, sei, eram sentimentos de cumplicidade, de identificação. Agradeço a minha timidez, que sempre me alertou de que algumas atitudes poderiam ser precipitadas. Hoje eu sei um pouco mais quem eu sou.

Um palpite para que isso ocorra pode ser encontrado no fato de ter me rodeado, nos últimos dias, de tantas obras de arte que debatiam a verdade. Li o livro "Reparação", de Ian McEwan, tornei a rever o filme inspirado na obra (bom filme, mas que fica com um jeito de vídeoclipe depois da leitura extenuante e fascinante da construção dos perfis psicólogicos dos personagens) e, de quebra, fui guiado pelo inconsciente a ver "Dúvida" e a ler "A Relíquia", de Eça de Queiróz.

Uma salada? Nem tanto. Em todos esses livros, a questão da verdade própria se encontra. A identificação com Briony Talls, de "Reparação", torna-se imediata. Quantas vezes o meu mundinho metafísico, onde tudo era perfeito, onde para tudo havia jeito, onde a princesa Arabella conseguia terminar o seu happy end redimida por seus erros, esbarrou com o impenetrável muro da verdade... Muitas vezes, é difícil de acreditar que este mundo imperfeito exista. A literatura pode ser um bom meio de transporte. Mas até que ponto?

Na noite de quinta, enquanto guiava o meu carro e conseguia me perder pelas ruas de um bairro de São Paulo que até então pensava que dominava, pude perceber novos aspectos, coisas novas, mudanças de orientação nas ruas, novas vias que me levavam para longe do meu destino, mas para perto do meu coração. As memórias me acompanhavam. Comecei a pensar no meu passado. No meu mundo de lego, onde todas as peças se encaixavam, onde todas as cores combinavam, mas que não resistiam às mordidas do meu cachorro, que insistia em destruir o meu mundo a um lever dar de costas... por ciúme, por instinto, por proteção? A sua fala canina nunca soube me dizer.

O fato é que as certezas e verdades que construíam o meu corpo estavam perfiladas pelas veias da dúvida, que oxigenavam as minhas células, como a lenha seca que alimenta a fogueira da sabedoria, produzindo um fogo real, que dissipava as névoas da paixão, que muitas vezes encobrem a visão. Lá, pude ver que antigos sentimentos, confundidos com uma paixão avassaladora, irreversível, que só me deixava como alternativas o ter ou a morte, agora não passam, mesmo, de admirações. São como teses que construímos que, apesar de os números ou os fatos a negarem, insistimos em mantê-las.

Que viva o sangue arejado da dúvida! Que ele continue a circular, levando as impurezas carcomidas das velhas certezas pré-estabelecidas e imutáveis. Que, ao contrário da freira interpretada por Meryl Streep em "Dúvida", que nunca se tenha medo de incorporá-la em nossas decisões!

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