quarta-feira, 5 de março de 2008

Cristais

O copo pareceu que lhe escapou das mãos... Como se tivesse voando para encontrar o grande amor dos objetos: a gravidade. Seja o que for o que tivesse fazendo antes, não importam mais as sinapses que passeavam pelo crânio, o fato é que Luísa parou tudo para observar os cristais inertes, paralisados, mortos no chão...

Não sei porque se chama Luísa... talvez porque rima com brisa... brisa do mar ou dos desertos incadescentes. Vestia sempre um vestido leve, transparente, de uma transparência casta, castiça... castiça transparência... castiçal de virtudes. Não uma transparência exibicionista, mas uma transparência que esconde um corpo frágil, de pernas brancas, finas, delgadas. E um tronco que mal conseguia se sustentar.

Seja o que for que estivesse fazendo, não seria mais possível a Luísa continuar depois da queda. Foi imediato! O copo não conseguiu ultrapassar o chão. Deixou de ser copo: passou a ser cacos... cacos cristalinos. Destes copos modernos que, ao se romperem, não oferecem mais riscos de cortes. Copos Insípidos. Copos que não desafiam mais os corpos a sentirem dor. Corpos inúteis.

A mente de Luísa viajava no material que compunha aqueles cristais. Quantos grãos de areia, às vezes irmãos, às vezes inimigos, foram comprensados até a exaustão, numa insana tentativa-demostração de que dois corpos, sim, podem ocupar o mesmo lugar no mesmo espaço ao mesmo tempo. Nem todas as leis são infalíveis!

Agora, os cristais separam-se. O vazio se impunha, seja para separar grãos de matéria com alguma coisa em comum, seja para agrupar, no mesmo exíguo espaço, imaterialidades que nunca vão dialogar. Pra quê? Por quê? Pensava Luísa... Por que o destino, a fatalidade fora tão cruel com aquele copo que, comprado a 5 reais na lojas americanas, era um exemplo de eternidade até um minuto atrás. Será que tinha que ser assim? Será que estava escrito? Se estava, porque ninguém fez nada para evitar...

O que Luísa não pensava, o que Luísa não aceitava, era a sua própria contribuição. Me recuso a escrever a palavra culpa, se bem que não paro de pensar nela: se não tivesse com as mãos ensaboadas e pensando como retribuir a traição de Eliseu, o pobre copo de requeijão não iria sofrer as consequências. Espere: era um copo de requeijão ou comprado nas lojas americanas? Nessa altura dos acontecimentoes, pouco importa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bem vindo de volta (e em definitivo - pela intensidade!)ao País das Maravilhas, entre prosas e poesias! Certamente, sentiram sua falta... Sentimos!

Honrada, quase tímida, diante do irretribuível...

Grande pela pequenez! Brilhante e despretencioso!

beijo grande no coração! Muito mel pra ti...