terça-feira, 4 de março de 2008

Sobre mocinhos e vilões

Finalmente, algo interessante ocorreu na América Latina! Nos meus tempos de estudante de relações internacionais, lá pelos idos da década de 90, tudo parecia estar muito bem resolvido na região. Governos com orientações claramente liberais, com um forte alinhamento com a política externa norte-americana (quem não se lembra das "relaciones carnales" dos argentinos com os norte-americanos?), a questão social completamente encoberta pela necessidade de se cortar gastos públicos e uma crônica crise estrutural de credibilidade marcavam o cenário político e econômico da região

Ventos de mudanças, vindos principalmente da Venezuela, alteraram em parte este cenário. Continuamos pagando juros escorchantes, mas os dirigentes latino-americanos descobriram o discurso norte-americano como bandeira garantida para assegurar a popularidade junto ao eleitorado. E no caso de Hugo Chávez, esse discurso - para o bem ou para o mal - também garante uma certa ascendência no cenário internacional, com bons holofotes e muitas páginas na mídia internacional.

A crise diplomática instaurada entre Equador, Colômbia e Venezuela envolve variáveis muito mais ideológicas e políticas do que propriamente ligadas ao direito. A Colômbia, a meu ver, foi ingênua ao invadir o território equatoriano, em busca de guerrilheiros da Farc. Essa frase precisa ser compreendida dentro de todo o contexto geopolítico da região que, de um lado, contempla uma sistemática campanha antiamericanista protagonizada por Chavez, Correa e seus alinhados na região e, por outro, uma forte ingerência norte-americana na Colômbia, por conta do apoio norte-americano ao combate ao narcotráfico.

A questão é a seguinte: houve um atentado à soberania equatoriana pelo governo colombiano, evidentemente. Mas, ao negociar diretamente com as Farc, ignorando completamente a autoridade local, Hugo Chávez não cometeu uma afronta similar à autodeterminação do país vizinho? Um argumento que ambos podem alegar para se defender é que havia uma motivação humanitária (o que é muito justo. Vidas inocentes não podem pagar pela ação ou omissão de países), mas, na verdade, é que foram, igualmente, ingerências que foram completamente contrárias aos governos estabelecidos.

A questão é que uma invasão material é muito mais patentemente contrária à ordem internacional e aos costumes que uma negociação que apenas permaneceu no plano da ação diplomática - e que foi muito bem sucedida, por sinal. Porém, não deixam de ser, igualmente, violações, tanto da Venezuela quanto da Colômbia.

A impressão é a de que houve a construção de um xadrez geopolítico muito bem arquitetado. E a Colômbia foi a principal peça dessa movimentação. Vamos esperar as próximas jogadas. Mas duvido que haverá algum xeque-mate.

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